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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Raio X: Harvey Bernard Milk - Parte III

Campanhas

A recepção de Milk pelos líderes políticos gays em São Francisco foi gelada. Jim Foster, que até então tinha sido ativo na política gay por dez anos, ofendeu-se com o pedido do iniciante para apoiá-lo para uma posição tão prestigiosa quanto o de supervisor da cidade (equivalente a vereador, no Brasil). Foster disse a Milk, "Há um velho provérbio no partido Democrata: Você não consegue dançar a menos que você coloque as cadeiras. Eu nunca vi você colocar as cadeiras." Milk ficou furioso com a censura paternalista, e o diálogo marcou o começo de um relacionamento antagônico entre o Alice e Harvey Milk. Alguns proprietários de bares gays, ainda lutando contra a perseguição da polícia e descontentes com o que consideravam uma aproximação tímida do Alice com as autoridades estabelecidas na cidade, decidiram apoiá-lo.
Embora tenha vagueado ao longo de sua vida até ali, agora Milk tinha encontrado sua vocação, de acordo com a jornalista Frances FitzGerald, que o chamou de um "político inato".

Milk, aqui com sua cunhada na frente da Castro Camera em 1973, tinha mudado seu visual devido à sua experiência com a contracultura dos anos 1960. Dianne Feinstein, que o encontrou primeiramente em 1973, não o reconheceu quando o encontrou outra vez em 1978.

No início, sua inexperiência ficou clara. Tentou fazer política sem dinheiro, apoio, e equipe de funcionários, e confiou preferivelmente em sua mensagem da gestão financeira sadia, promovendo indivíduos sobre grandes corporações e governo. Apoiou a reorganização das eleições para supervisor para que o colégio eleitoral, que abrangia por toda a cidade, fosse reduzido a uma abrangência distrital, o que reduziria a influência do dinheiro e daria às vizinhanças mais controle sobre seus representantes no governo municipal. Seguiu igualmente uma plataforma social liberal, opondo-se à interferência do governo em questões sexuais privadas e apoiando a legalização da maconha. Seus discursos ardentes e exagerados e suas conhecidas habilidades com os meios de comunicação lhe renderam uma multidão significativa durante a eleição de 1973. Ganhou 16.900 votos – vencendo de forma espetacular no distrito de Castro e em outras vizinhanças liberais – terminando em décimo lugar dentre 32 candidatos. Se as eleições tivessem sido reorganizadas para permitir que os distritos elegessem seus próprios supervisores, ele teria ganho.


Campanha para a Assembleia da Califórnia



Na época de sua campanha de 1975, Milk decidiu cortar seu cabelo e vestir ternos. Aqui, Milk (bem à direita) está em busca de votos dos estivadores em São Francisco durante a campanha de 1976 para a Assembleia Legislativa da Califórnia.

Mantendo sua promessa a Milk, o prefeito recém eleito George Moscone indicou-o para o Comitê de Apelação de Licenças em 1976, fazendo-lhe o primeiro comissário abertamente gay de uma cidade nos Estados Unidos. Milk, entretanto, considerou candidatar-se a uma vaga na Assembleia Legislativa da Califórnia. O distrito estava fortemente inclinado a seu favor, estando baseado nas vizinhanças que cercam a rua Castro, onde os simpatizantes de Milk votavam. Na eleição precedente para supervisor, Milk recebera mais votos do que o atual representante na assembleia. Entretanto, Moscone havia feito um trato com o presidente da assembleia (speaker) de que um outro candidato deveria concorrer ao cargo — Art Agnos. Além disso, por ordem do prefeito, nenhum ocupante de cargo indicado ou eleito poderia concorrer enquanto permanecesse em suas funções.

Milk passou cinco semanas no Comitê de Apelação de Licenças até Moscone ser forçado a destitui-lo quando anunciou que concorreria para a Assembleia Legislativa da Califórnia. Rick Stokes substituiu-o. A destituição de Milk e o acordo secreto feito entre Moscone, o presidente da Assembleia Legialativa e Agnos deram combustível à sua campanha à medida que ele assumia a postura de vítima política. Ele bradava que as altas autoridades da cidade e do governo estadual estavam contra ele. Queixou-se de que a cúpula política gay, particularmente o clube Alice, não o apoiava; referia-se a Jim Foster e Stokes como Uncle Tom gays (gays subservientes).

Passou a adotar entusiasticamente a manchete de uma revista semanal local independente: "Harvey Milk contra A Máquina".
O papel de Milk como um representante da comunidade gay de São Francisco se expandiu durante este período. Em 22 de setembro de 1975, o presidente Gerald Ford estava visitando São Francisco, andando de seu hotel a seu carro. Na multidão, Sara Jane Moore ergueu uma arma para disparar nele. Um ex-fuzileiro naval dos Estados Unidos que andava a seu lado agarrou seu braço, fazendo a arma disparar para o chão.

O homem era Oliver "Bill" Sipple, que anos antes tinha abandonado o ex-namorado de Milk, Joe Campbell, o que tinha motivado sua tentativa do suicídio. Sipple, que havia deixado as forças armadas por incapacidade psiquiátrica, morava nas vizinhanças de Tenderloin, e imediatamente ganhou projeção nacional. Sipple recusou-se a chamar a si mesmo de herói e não quis revelar sua orientação sexual. Milk, entretanto, aproveitou-se da oportunidade para reforçar sua tese de que a percepção pública sobre os gays seria melhorada se eles saíssem do armário. Disse a um amigo: "É uma oportunidade demasiado boa. Pela primeira vez nós podemos mostrar que os gays fazem coisas heróicas, não apenas todos esses escândalos sobre molestamento de crianças e exposições públicas em banheiros." Milk contatou um jornal.
Vários dias depois Herb Caen, um colunista do The San Francisco Chronicle, expôs Sipple como gay e um amigo de Milk. A notícia foi divulgada em jornais de âmbito nacional, e o nome de Milk foi incluído em muitas das histórias. A revista Time chamou Milk de líder da comunidade gay em São Francisco.

Sipple, entretanto, foi importunado por repórteres, assim como sua família. Sua mãe, uma fiel batista em Detroit, recusou-se a falar com ele. Embora estivesse envolvido com a comunidade gay por anos, até mesmo participando de paradas gays, Sipple processou o Chronicle por invasão de privacidade.

O presidente Ford enviou a Sipple uma nota de agradecimento por salvar sua vida. Milk disse que a orientação sexual de Sipple era a razão pela qual ele recebera somente uma nota, e não um convite para ir à Casa Branca.
A continuação da campanha de Milk, conduzida a partir da vitrine da Castro Camera, era um estudo sobre desorganização. Embora os voluntários estivessem felizes e produtivos em enviar correspondências em massa, as anotações de Milk e as listas de voluntários eram guardados em pedaços de papel. Quando a campanha necessitava de fundos, o dinheiro vinha da caixa registradora sem qualquer preocupação com a contabilidade. Uma menina de 11 anos da vizinhança comandava homens gays e avós irlandesas no trabalho da campanha, apesar do desalento de sua mãe. Milk mesmo era hiperativo e inclinado a irracionais descontroles de temperamento, apenas para recuperar-se rapidamente e gritar excitadamente sobre mais alguma coisa. Muitos de seus discursos extravagantes eram dirigidos a seu amante, Scott Smith, que estava ficando desiludido com o homem que já não lembrava mais o hippie calmo por quem ele tinha se apaixonado.
Se o candidato era maníaco, também era dedicado e repleto de bom humor, além de ter um talento particular para atrair a atenção dos meios de comunicação. Passava muito tempo alistando eleitores e apertando mãos em pontos de ônibus e em filas de cinema. Aproveitou cada oportunidade que surgia para promover a si mesmo. Gostou imensamente de fazer a campanha, e seu sucesso era evidente. Com um grande número voluntários, tinha dúzias no ponto de descanso ao longo da lotada passagem pública da Market Street servindo como quadro de avisos humanos segurando tabuletas "Milk para Assembleia" enquanto os usuários de transporte público dirigiam-se ao coração da cidade para trabalhar.Distribuiu seu material de campanha em qualquer lugar que pôde, incluindo um dos grupos políticos mais influentes na cidade: Peoples Temple (Templo dos Povos). Os voluntários de Milk levaram milhares de folhetos lá, mas voltaram com sentimentos de apreensão. Devido ao fato de que o líder do Peoples Temple, Jim Jones, era politicamente poderoso em São Francisco (e apoiasse ambos os candidatos), Milk permitiu que os membros do templo manejassem seus telefones, e mais tarde falou no templo e defendeu Jones. Mas a seus voluntários, disse: "Certifiquem-se de que sejam sempre simpáticos ao Peoples Temple. Se pedem a vocês que façam algo, façam-no, e enviem-lhes então uma nota de agradecimento por pedirem que vocês o fizesse. Eles são estranhos e perigosos, e vocês nunca queiram estar em seu lado ruim."
A disputa foi apertada, e Milk perdeu por menos de 4.000 votos. Agnos, entretanto, ensinou a Milk uma lição valiosa quando criticou seus discursos de campanha como "um infortúnio… Você fala sobre como irá se livrar dos vagabundos, mas como você consertará as coisas – além de bater em mim? Você não deveria deixar seu público deprimido."Como consequência de sua derrota, Milk, percebendo que o clube de Toklas nunca o apoiaria politicamente, ajudou a fundar o San Francisco Gay Democratic Club.

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